Uber – Exclusão em massa de parceiros – direitos contratuais

Uber – Exclusão em massa de parceiros – direitos contratuais

Por: Luccas Padilha – Advogado – NR Souza Lima – Sociedade de Advogados

Já faz alguns meses que diversos usuários do aplicativo Uber têm reclamado das dificuldades para conseguir corridas através do aplicativo destinado a transporte particular de passageiros, sendo a maioria das reclamações no tocante ao cancelamento dos chamados pelo motorista parceiro.

       Em julho/2021, uma reportagem realizada pela revista Vejinha concluiu que dentre os principais motivos alegados pelos motoristas parceiros do aplicativo para cancelamento dos chamados está “a alta do preço dos combustíveis e a tarifa paga pelos aplicativos são, segundo eles, pouco compatíveis, levando a uma preferência por corridas longas ou mais próximas da localização do motorista”.

       Em consequência a esse vasto número de corridas canceladas, nas últimas semanas, a plataforma Uber cancelou em definitivo milhares de contas de motoristas parceiros, justificando sua conduta no fato de os cancelamentos excessivos de chamados pelo motorista ferirem o Código da Comunidade Uber, refletindo negativamente na experiência de toda comunidade, inclusive prejudicando os demais motoristas parceiros.

       Segundo informações da Uber, houve o cancelamento de cerca de 1,6 mil contas, mas relatos apresentados pela AMASP (Associação dos Motoristas de Aplicativos de São Paulo) afirmam que foram canceladas contas de cerca de 15 mil motoristas em todo país.

       A empresa alega que a conduta dos motoristas parceiros ofende o Código da Comunidade Uber, sendo considerado má utilização da plataforma, o que dá ensejo a exclusão do parceiro para prestação dos serviços.

       Analisando o código citado pela empresa para balizar sua decisão de exclusão dos motoristas da plataforma, temos que a questão dos cancelamentos esta enquadrada nas práticas discriminatórias, e apesar de ser direito do motorista cancelar o chamado que não lhe agrade, é proibido recusar ou cancelar solicitações intencionalmente com a finalidade exclusiva de evitar regiões específicas, devido as características das pessoas ou das empresas presentes nesses locais.

       Segundo a nota emitida pela empresa “o abuso no cancelamento de viagens não tem nada a ver com a liberdade do motorista parceiro de recusar solicitações”.

       Uma situação que chama bastante atenção é o fato de que grande parte dos motoristas que tiveram suas contas canceladas pela Uber, relatarem que a exclusão se deu de forma repentina, sem qualquer notificação prévia. Alguns tiveram suas contas bloqueadas assim que encerraram corridas que estavam em andamento.

       Apesar do Código da Comunidade Uber não apresentar nenhuma previsão expressa sobre a desnecessidade de notificação do parceiro, antecedente à exclusão, o que está previsto somente no item 9 dos Termos e Condições Gerais Dos Serviços de Intermediação, uma decisão datada de julho/2020, referente ao processo nº 0701336-80.2020.8.07.0016, justamente contrariou essa conduta.

       No processo, o motorista parceiro alegava que foi excluído da plataforma sem motivo e que a empresa não enviou nenhuma notificação prévia sobre o rompimento. Na sentença, a juíza entendeu que apesar da possibilidade de exclusão do motorista em respeito à previsão contratual, é necessário “permitir o mínimo direito de defesa ao parceiro economicamente vulnerável com notificação prévia, o que não ocorreu”.

       Antes disso, em 2019, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, no processo nº 0823556-58.2018.8.12.0001, já havia dado uma decisão aplicando por analogia as normas do direito trabalhista no que tange a notificação prévia da rescisão contratual e o consequente dever de indenizar a parte prejudicada pela inexistência dessa comunicação antecedente.

       No mesmo ano, a Quarta Turma Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve na integralidade a sentença que reconheceu o direito do motorista e ser reintegrado a plataforma do aplicativo Uber, sopesando na decisão que “mesmo diante do princípio da autonomia da vontade, a dispensa sem prévio motivo, causou transtornos ao recorrido. Visto que, a ausência de prévia notificação, impediu o recorrido de tomar conhecimento de que o recorrente iria cancelar o contrato, sendo surpreendido pela privação de sua atividade remuneratória sem qualquer prazo para preparar-se”.

       Ainda, seguindo nesse ponto, há um Projeto de Lei (PL nº 3.748/2020) apresentado pela Deputada Federal Tabata Amaral (PDT-SP), que prevê, entre outras questões, o procedimento de como é dada a exclusão do motorista parceiro e a possibilidade de abertura de contraditório para discutir a decisão de rompimento, inclusive nas decisões tomadas com base exclusiva de dados tratados de forma automatizada.

       É inegável que grande parte das pessoas que laboram como motorista de aplicativos veem ali sua única fonte de renda, sendo que a rescisão sumária e sem qualquer notificação antecedente do rompimento causa inúmeros transtornos ao motorista parceiro, que vê de um momento para outro esgotar-se sua única fonte de renda.

       Apesar da previsão do contrato entre a empresa e o motorista parceiro no tocante a inexistência de notificação prévia do desligamento nos casos de dispensa motivada, tal disposição claramente ofende os princípios contratuais, principalmente o da boa-fé entre as partes.

       Assim, em que pese esse cancelamento sumário e em grande escala como o promovido pela plataforma nos últimos dias ser algo inédito, existem diversos precedentes que consideram irregular a conduta da empresa em rescindir o contrato com o motorista parceiro sem qualquer prévio aviso, dando margem ao pleito judicial de indenizações e eventuais reintegrações.

Fonte: Código da Comunidade Uber

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